sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Ressaca

Fortes ondas me cercaram
Quando seus olhos em mim deitaram
Como o poente deita no mar e afoga
O poeta deita em seus olhos e afoga


Dele são os braços fortes
Amou-se, armou-se um forte
Meus são os braços fracos
Amei-te, armei-me um buraco


Já morri antes de morrer
Não quero admitir que não sei me socorrer
Não vou mais nadar aqui
Apenas me deixarei cair


Não há pedras pra me apoiar
Só água pra me enterrar
Teus olhos são jazigo
Teus olhos são bravios
Teus olhos são ressaca

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Hoje conversei com um amigo sobre essa minha fase estranha. Achei interessantíssima a observação dele: isso seria resultado de ler muito, esse pessoal que eu leio era tão genial que a vida real não é mais o bastante. Verdade, lei compulsivamente porque as pessoas e o mundo não têm muita graça pra mim, eles não me surpreendem e nem me emocionam mais. Um dos poucos prazeres que me restam é ler esses autores europeus e Machado de Assis. Eu disse a ele que o admirava e gostava de sua companhia, mas preferiria estar naquele momento sozinho. Desde criança sinto uma necessidade de me isolar um pouco, acho que todos tem essa vontade de vez em quando, mas minha necessidade sempre foi maior que a das pessoas ao redor. Percebi que nesse ano minha vontade de me isolar das pessoas está mais frequente e meus isolamentos estão durando mais. Ser obrigado a travar uma conversa com qualquer pessoa por convenção social (pra parecer simpático) tem me irritado bastante. Ainda acho que conversar com as outras pessoas me traz benefícios, como a conversa de hoje, mas eu prefiro conversar comigo mesmo. Sabe, as horas que eu passo lendo reflexões geniais e boas narrações são melhores que as horas que eu passo vivendo a vida. Apesar do prazer que me causa, acho que isso não deve ser lá muito saudável psicologicamente.
Quando estou sozinho, eu vejo o mundo pelo meus próprios olhos, eu sou eu de verdade. Quando estou inserido em um grupo, eu vejo o mundo pelos olhos de outra pessoa, eu sou aquilo que os outros dizem que sou. Acho que é justamente disso que eu estou cansado: de viver pela percepção dos outros. No entanto, ser sozinho pode ser tão cansativo quanto. Quando me isolo, eu vejo o que quero ver, eu tenho a liberdade de criar o mundo sem a limitação do olhar dos outros. Eu acho que sou o que sou, eu tenho a liberdade de criar uma imagem sobre mim mesmo, sem a limitação do que os outros me percebem. Isso sem dúvidas causa discrepâncias entre a minha realidade e a realidade das outras milhões de pessoas. Quando eu era criança, ficava tão imerso no mundo criado pela minha percepção que não compreendia o ponto de vista diferente de todo mundo. Na adolescência comecei a me surpreender quando me diziam algo que destoava da minha percepção. Ao ver que todos diziam a mesma coisa e só eu via aquilo de uma maneira diferente, eu percebi que o meu mundo era diferente, que eu precisava ver as coisas como todo mundo via. Então me lancei numa jornada de autoconhecimento me entregando ao que os outros diziam sobre o mundo, logo absorvi o senso comum de uma forma geral, posso dizer que foi um dos piores períodos da minha vida psicologicamente falando. Comecei a sentir que algo estava errado comigo e, quanto mais pretendia me aproximar das pessoas, mais me sentia deslocado e diferente. Acontece que aos dezoito anos comecei a querer pensar por mim mesmo, ter senso crítico e não acreditar cegamente no senso comum, aí me senti um pouco mais realizado. Agora tomei plena consciência disso tudo e, de certa forma, minha crise provém disso. Refletindo, percebi que nunca entendi as pessoas como achava, pelo menos não sentimentalmente, mas objetivamente. Todas as minhas análises e previsões sobre as pessoas se baseiam no campo objetivo (se isso aconteceu com ele, ele se sente dessa maneira), mas percebo que nunca tive empatia verdadeira, pois entendo que não sei o que as pessoas em geral sentem, simplesmente pelo motivo que não percebo as emoções e os eventos da vida como os outros. Talvez se você for um psicólogo, possa me esclarecer se eu tenho algum tipo de síndrome ou patologia, acho que isso tenha uma explicação científica. O fato é que, quanto eu tomo consciência de que não sou como os outros, menos eu quero viver com os outros. Melhor dizendo, estar com os outros não me satisfaz emocionalmente. Acho que ler romances realistas, modernistas ou existencialistas me satisfazem emocionalmente por que há certa semelhança entre esses livros e minha visão de mundo. Sem falar que ler, é escapar da realidade, é estar imerso em outro plano.
Eu sei que todos tem uma visão diferente das coisas, mas parece haver alguns aspectos que são mais uniformes. Todavia para mim não o é. Mas vida é uma sucessão de dias que levamos com a barriga, no geral eu consigo viver com as pessoas, apenas o convívio com elas não me causa a satisfação que talvez fosse saudável sentir. Mas é impossível ignorar a queda do meu humor. Hoje caminhei bem mais devagar, não obstante é de meu costume dar passos largos. Especialmente de manhã, ao desembarcar do metrô, andando vagarosamente, um pouco sem vontade de caminhar, projetei meus passos em direção ao escritório e contemplei aquele mar de pessoas andando contra a minha direção naquele caos comum da Rio Branco. Por um instante comecei a sentir como se flutuasse, era como se o ar se tornasse em água, ou melhor, as pessoas se tornassem em água. Tive a impressão de ver o topo de suas cabeças na altura da minha cintura, de modo como se eu estivesse num barco, ou me tornasse um barco. Estava flutuando sobre a cabeça das pessoas. A corrente estava contra mim e eu dificultosamente avançava contra elas. Então a voz do dublador do Tobey Maguire sussurrava no meu ouvido: "somos barcos contra a correnteza". (evidentemente no mesmo tom utilizado por ele em O Grande Gatsby) Quando cheguei no elevador pensei: talvez minha vida agora seja apenas viver um dia após o outro, pedindo a Deus a bênção de que cada dia passe mais rápido que o outro.

domingo, 6 de julho de 2014

Falo por aqui por que não me sinto confortável falando com o mundo, mas ao mesmo tempo quero falara para todos. Nada melhor que um blog que ninguém lê. Eu quero confessar que a cada dia me sinto mais cínico em relação a tudo e a todos. Começou quando me tornei cínico em relação a mim e passei a desacreditar nas minhas qualidades nobres de humano civilizado. Por isso eu tenho lido mais que o comum, é ao mesmo tempo uma fuga da realidade e uma afirmação ao meu cinismo. No começo era legal tentar prever as pessoas, agora perdeu a graça, principalmente por que eu sempre acertava.
Eu tenho um grande defeito-qualidade, sou extremamente diplomático e imparcial (menos em assuntos em assuntos gritantes e que já defini solidamente minha opinião, o que são poucos tópicos). Mas juro que não forço nada, só vejo muita gente por aí defendendo opiniões que não são suas e que mal conhecem. Quando não me jugo perito num assunto, eu formo minha opinião, mas não o defendo e não me sinto ofendido quando alguém tem outra diferente. Eu consigo ser o melhor amigo de duas pessoas que se odeiam (isso já aconteceu várias vezes durante minha pouca vida), em todos os debates que participo ninguém entende se eu termino concordando ou discordando com o outro (é que eu aceito outras opiniões, mas continuo com a minha). Assim sou eu. Na verdade a única coisa que me aborrece numa discussão é qualquer discurso que afirme a desigualdade de qualquer gênero entre as pessoas. Patriotismo é outra coisa que me incomoda, mas patriotismo está dentro da pregação da desigualdade, além de ser alienação. Minha única certeza de mundo é que todos deveriam ser iguais, o resto não sei de verdade, mas eu costumo procurar uma explicação pra tudo (mesmo sabendo que provavelmente estou errado). O engraçado é que eu não teria motivos pra ser cínico, eu levo uma vida relativamente boa, nunca fui traído por amigos, nunca testemunhei uma atrocidade humana de perto. Já fizeram coisas ruins comigo, mas sempre perdoei por que fazer coisas ruins é a natureza humana. Se eu vivesse uma vida ressentido com alguém, deveria viver ressentido comigo mesmo, eu sei por que as pessoas fazem o que fazem, eu também faço. Sem falar nas vezes em que eu me traí. Ser tolo é a melhor coisa que uma pessoa pode desejar. Não busquem o auto-conhecimento, vocês poderão perceber que o lado sombrio de você é maior que o lado bom, e que grande parte do lado sombrio está adormecido. Sabendo disso, você passará a ter medo de si mesmo. (Odeio fogos com todo o meu coração) Também não pensem muito na vida, pois a resposta mais lógica é a de que não há droga de sentido nenhum para ninguém estar aqui, já dizia Macbeth. Compreendendo isso, o mais lógico a se fazer é passar não viver, é deixar os dias passarem e orar a Deus para que eles passem sempre mais depressa.
Por isso, seja tolo. Viver na angústia de estar sempre a procura por um sentido é melhor que perceber que não há sentido. Achar que todos e você são bons é melhor que viver com medo de todos e de si. Não compreender as pessoas e a si é melhor que compreendê-las ao ponto de se enjoar de todos e de si. Seria melhor queimar todos os livros para que todos sejam felizes. Ou melhor, não queimem os velhos romances com cavalheiros reluzentes e belas ninfas, e nem os livros de auto-ajuda.

sábado, 28 de junho de 2014

Há exatamente dois anos, de madrugada, estávamos chorando porque a Mariana estava praticamente morta. Ela nasceu com complicações de uma gravidez de risco e teve uma séria infecção no intestino. Em suas primeiras horas de vida, ela estava aberta numa mesa de cirurgia com todos orando por ela. O médico tinha avisado que a cirurgia era arriscada e ela não poderia sobreviver, mas seria a única oportunidade dela viver. Realmente ela não resistiu, o coração dela parou por uns segundos. Não dá pra descrever o buraco no coração que todos nós fomos acometidos. Raiva, inconformidade, negação, dor. Até que a máquina voltou a fazer aquele barulho glorioso que nos trouxe alívio e extrema felicidade, o coração dela voltou a bater. Hoje estamos comemorando seu segundo ano de vida.
Mariana desde o útero enfrentou problemas e foi vencedora. Essa não foi a primeira vez que o som de seu coração mudou o rumo de sua própria história. Sua gravidez foi inesperada e sua mãe, levada pelas emoções dos problemas sociais causados pela gravidez, pensou em desistir de sua própria filha até que ela escutou pela primeira vez as batidas de seu coração pela ultrassonografia. Sempre a persuadimos não cometer um ato tão egoísta, mas aquele coraçãozinho foi o argumento mais forte. Mesmo não tendo nenhuma relação de sangue com ela, eu a adotei com o coração. O amor que sinto é um milagre, pois a vida dela é um milagre. Posso dizer que o coração dela não mudou apenas sua própria história, mas a minha também. Parabéns, minha filha, que o som do seu coração continue cativando as pessoas que cruzarem seu caminho.