sábado, 24 de maio de 2014

Já há algum tempo estou com uma ideia de iniciar um diário. Quis começar um pela época do ensino médio quando comecei a gostar de uma garota, o propósito era escrever uma história de amor em que eu fosse o personagem. Eu sempre tive essa síndrome de querer ser um de meus personagens favoritos, especialmente o Bentinho ou o Marius Pontmercy, por isso achei que documentar minha versão do amor seria me tornar um personagem escrito por mim e pela Providência. Mas achei que era me expor demais e infantil demais. No mais, o amor durou algumas semanas e eu acabei caindo na friendzone, não seria muito épico. Depois, ao fazer dezoito anos, quis começar um diário. Achava que completar a maioridade legal seria... não sei dizer, mas mudaria algo que também não sei dizer o que seria. Não tive tempo de escrever no dia do aniversário e só achei interessante se eu começasse naquele dia. No mais, depois pensei que também era uma ideia infantil escrever um diário, seja qual for o propósito.
No entanto, a literatura é uma das minhas verdadeiras paixões e poucas coisas me influenciam mais que os livros que amo. Li "A Náusea" e achei interessante um livro em forma de diário. Sartre era mestre em passar uma mensagem totalmente abstrata através de uma história fictícia. Agora estou há 21 páginas de terminar "Memorial de Aires". Todos sabem que Machado de Assis é uma das pessoas mais importantes para mim, não sei explicar o porquê, afinal ele é uma sombra, apenas um nome a qual atribui-se a autoria de alguns livros como atribui-se Hebreus a Paulo.
Estou convencido que é importante fazer um memorial, expressar o que sinto e descrever minhas impressões. O único problema é se alguém ler, é muita exposição. Sou do realismo e não gosto de personagens heroicos demais, gosto dos personagens reais. Mas uma coisa é ser realista ao escrever a vida de um personagem que não é você, todos podem saber da instabilidade emocional dele, podem até desconfiar que o escritor pode ter impresso a si mesmo no personagem, mas o personagem nunca será o autor. Alguém acha que Machado poderia pensar em matar sua esposa por ciúmes? Pode ser que sim, mas ninguém poderá afirmar. Já é coisa diferente ser realista em relação a si mesmo. Na verdade todos nós manipulamos nosso juízo sobre nós mesmos, adoramos mentir para si. Como ser um personagem do realismo?
Eu minto o tempo todo para mim mesmo, consequentemente minto para todos. Mas é mais fácil se convencer de uma mentira sobre si mesmo quando as pessoas ao redor creem nela. Por isso a primeira regra par mentir para si, é mentir para os outros. Daí vem minha recente necessidade de escrever um diário: exercitar a sinceridade; não mais me enganar. Mas será que eu não escreveria mentiras propositalmente para quando eu acreditar nelas quando as ler no futuro?
A verossimilhança é uma verdade que possui apenas uma premissa falsa. Se a conclusão dessa verossimilhança for dedutiva, mesmo com premissas falsas, ela será verdade. Se indutiva, será falsa, pois a indução para ser verdadeira requer que todas as premissas sejam verdadeiras. O problema é que a dedução parte do caso geral e, para fazer relatos pessoais, devo partir do caso particular. Sim, a dedução nada mais é que a soma de duas induções, mas algumas deduções podem ser verificadas sem premissas. Portanto, se alguma história tiver que ser real, ela deverá partir de uma generalidade, o que não importa para quem lê e para quem escreve. Assim, toda história... me veio à mente uma frase do Roquetin sobre narração de aventuras que eu queria colocar aqui mas não me recordo... Enfim; seja como for, não posso acreditar no que escrevo mesmo que queira ser fiel aos fatos e não queira ser infiel ao realismo.O que é a verdade? As vezes ela pode ser a verossimilhança, às vezes não.
A verdade é que, ao mesmo tempo em que me preocupe em manter meus segredos escritos, acho que não haveria mal se um ou outro lesse e desse sua opinião sobre minha técnica literária. Na verdade a opinião que esperaria ouvir é se minha vida valeria ser um romance e se eu seria um personagem eternizado. Vaidade jovem essa de ser eternizado, mas não acho que se aplique a mim, sinto mais como uma vontade da minha vida ser mais interessante aos outros que parece a mim. Talvez se alguém como Brás Cubas existisse de verdade, não achasse sua vida interessante, mas a mim é, e bastante.
A vida pode parecer uma interminável sucessão de fatos desconexos, isso faz perder o sentido de estar aqui existindo, porém, talvez, para quem vê de fora os fatos não pareçam tão desconexos e alguém pode achar interessante, se identificar ou querer aquilo pra si. Por isso escrever, para que os outros digam que sua vida vale viver; que você não apenas existe, mas representa um valor importante para a vida delas; para deixar um legado. É perfeitamente normal que morra achando que minha vida foi inútil, mas não quero que as pessoas ao redor também tenham essa ideia sobre mim.
Acho que por isso existem os blogs e o Facebook. Você pode ser um entediando por natureza, levar uma vida regular e até desprezível, mas sempre poderá manipular escrevendo sobre um isolado momento de felicidade para todos na internet. Meu problema é justamente mostrar os pontos não iluminado pela perfeição eventual da vida e tornar isso público.
O problema de escrever qualquer coisa é que nunca escrevemos somente pra si, trazemos algo do campo das ideias para o mundo físico ao alcance de qualquer um que seja alfabetizado. Os diários perdidos sempre fizeram sucesso quando publicados. Quando se escreve um romance, realmente escrevemos para um público que nos dará lucro. Bem, se minha premissa for verdadeira, os autores de diários têm a esperança de verem suas confidências publicadas, e acho que sim.
Se eu escrever, tem que ser sincero e não quero que descubram coisas que eu quero esconder de mim mesmo, mas para valer o esforço e o tempo que se despende escrevendo, quero que leiam e emitam opinião.
Adoro ler, adoro mais escrever do que ler. Mas quando estou escrevendo alguma história, eu penso no quanto não consigo expor uma ideia da maneira genial como milhões de escritores que admiro conseguiram. Simplesmente não consigo expressar nada abstrato em palavras. Não consigo dar a uma cena o sentimento que desejo. Prova social disso é minha incapacidade de contar uma piada decentemente. Gostar de escrever é uma coisa, saber escrever é outra. Do mesmo modo eu amo cantar, amo música com cada fibra do meu corpo, mas definitivamente não sei cantar e não sei tocar qualquer instrumento, nem sei técnica musical. Olha que já tomei aula de canto, de violão e de música, nunca fui bem sucedido em nenhuma dessas aulas. Na verdade eu nunca fui talentoso em muita coisa. Só em dissimular sobre mim mesmo, acho que isso eu faço bem. Nunca fui o melhor da classe, mas os professores sempre me adoravam. Nunca fui o Dom Juan, mas os pais das moças me queriam por genro. Nunca li Mark Twain, mas todos me acham intelectual. Nunca fui sociável, mas todos me consideram bem. Nunca escrevi algo que valha a pena ser lido, mas já participei de três grêmios literários. Nunca cantei bem, mas todos sabem que eu não sei cantar, isso não dá pra esconder.
A questão é: escrever esse diário valerá a pena? Não sou Aires, Roquetin, Sartre e muito menos Machado. Se ninguém gostar da minha escrita ou eu nunca permitir ler, sempre poderemos dedicar nossas memórias ao primeiro verme que nos roer a carne defunta.

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